domingo, fevereiro 13, 2005

Fim


Talvez porque te amasse
sem o saber,
nesse dia em que me desiludiste
virei-me
noutra direcção.

Não que tivesse sentido
da tua parte qualquer sinal
[nem antes, nem depois]-
mas, simplesmente,
esgotas-te em mim.

Como aquelas imagens
que durante longo tempo
envelhecem nas paredes,
e um dia a gente sente
que têm de partir,
de serem substituídas por outras,
não por causa delas em si,
mas porque intuímos que consumaram
a sua razão de ser.

Foi como quando
deixei de crer na transcendência,
irreversível e trágico momento
em que, ao sair de uma igreja,
de repente me encontrei só.
Tão exposto com as outras coisas,
e no entanto dolorosamente
[ao contrário delas]
consciente disso.

Sem perceberem que tudo
o que econtece, mesmo num instante,
é o ponto de chegada de uma vida
de procura, alegria e sofrimento.

Temos de atravessar
este mundo desprevenido,
como quando eu percebi que tu já não existias,
qualquer que fosse o tu
que tu tivesses sido.

E assim preparamo-nos
para a sede da viagem
que vai de um ponto a outro
de nós mesmos:
uma pista no deserto,
sem princípio nem fim,
pronta a desaparecer em cada duna.

E no entanto,
resplandescente ao sol,
numa luz total,
absolutamente vazia.

Texto de Vitor Oliveira Jorge